quarta-feira, 12 de novembro de 2008

"terezita"

Aí que numa coincidência bizarra, depois de publicar o post de ontem e comentar aqui no meu trabalho que achava que Dona Terezinha não devia andar bem porque há dias eu não sentia cheiro de comida gostosa lá em casa. Descubro, às 23h40 da noite de ontem, que Dona Terezinha, ou "Terezita" para os moradores do prédio, faleceu.

Mais bizarro que isso , na quinta-feira da semana passada - ter visto uns enfermeiros da Sancil (empresa de homecare) entrarem no prédio. Como o condomínio tem moradores numa média de idade de 150 anos cogitei que podia ser para o apartamento da minha vizinha, mas desencanei do assunto porque na verdade, do 1º ao 15º andar podia existir um velhinho precisando de serviços de enfermagem.

Enfim, embora ela achasse meu marido "liiiindo", "uma beleza de rapaaaaz" e eu tenha feito um post especialmente dedicado a isso tirando um sarro e embora também eu nunca tenha ido tomar café na casa dela, como insistia desde o primeiro dia que me viu, fiquei chateada pela morte dela. Dessas pessoas que viram personagens na vida da gente, né?

Bom, fiquei triste. Sentida mesmo.
Que Deus a tenha em bom lugar. Que Nossa Senhora a receba bem lá no céu, ou onde quer que ela esteja.

Vou colocar um poema do Álvaro de Campos, heterônimo do Fernando Pessoa, meu prediletinho em homenagem à D. Terezinha. Embora o texto chame-se "Aniversário" tem mais a ver com velhice e a morte.

Amém.

Aniversário

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhaslágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, 15/10/1929

2 comentários:

Camilla Salmazi disse...

aff, até eu fiquei triste pela d. Terezinha! Tadinha... bjs, fia!

Mari disse...

Também fiquei triste. Super solidarizo com essas senhorinhas sem-vergonha, eu mesma ambiciono ser uma delas um dia...
Bjs!